Elas estão ali, em pé, me olhando fixo, como se eu fosse um
prato de comida. Medo? Elas não parecem querer me atacar, nem tão pouco me
atingir, são imóveis. Na verdade, parecem mesmo é que foram pintadas: não
sorriem, não choram, não reagem. Produção de pouca verba, pintadas com tinta
vagabunda.
Seria idiotice minha dizer que um dia andei lado a lado com
elas? Pois é. Quando você está sozinho, elas parecem uma salvaguarda. Diria até
que escutam seus problemas. Não respondem, mas escutam. Aliás, talvez até elas
respondam, vai ver sou eu que não consegui ouvir. Putz, olha eu ficando maluco
de novo.
Você deve estar se perguntando: “Como pode alguém se apoiar
em algo sem graça, que não se mexe, não interage?” – e eu respondo: imagem.
Lembra? De longe, parece tão bonito, elas compõem a paisagem, ou melhor, são a
paisagem: aonde você for, tem uma, sempre com aquele sorriso marcado, ou então
com um olhar sedutor. Aí já viu, quem não tá muito certo da cabeça, vai em
frente.
Ao olhar distante, a sutileza é cruel, você não percebe a
frieza daquilo. O problema é que nunca chegamos perto o suficiente para
entender. Isso! Puta que pariu! Você anda durante anos pela mesma trajetória,
não foge nem da própria sombra e sequer sabe que diabos está fazendo?
Francamente. Aí sabe o que acontece? Um dia você se enfraquece e resolve
se aproximar de vez. Pronto! Nesse momento tudo passa a fazer sentido, mas
infelizmente não retoma o tempo que seus relógios engoliram.
Passei a vida ao
lado de gente, sim, mas de papel. Papel! Que porra é essa? Nos dias ensolarados,
lá estão todas elas, do seu lado: saem em fotos, mandam lembranças e fazem
promessas. Mas também não vá se empolgar, nunca peça um abraço para alguém de
papel, conselho de amigo. Agora, se chover, meu caro, já era. Se até uma garoa
desmonta esse tipo, imagina só tempestade forte, é patético. Aí você acha que
ela se desmonta mesmo assim? Tolinho. Esse é o único momento em que elas se
movem, ou melhor, correm. Se bater um vento, até voam.
Agora você se perde. Todo mundo foi embora, cadê suas referências?
Nessa hora você vê o tanto de apoio que você largou nos pés dessa galera,
afinal, papel não fica em pé, né? Elas só se ergueram por sua causa.
Acredite, no seu mundo tem muita gente de papel. Quem sabe
até você não é um deles? Não duvido, mas caso não seja, também não há remédio.
A não ser que no seu mundo não chova.
Fuja de onde não tem chuva. Antes que seja tarde.