Sem efeitos: o que eu tenho pra te oferecer muda sob o teu olhar

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Espólio

A humanidade se divide em dois tipos de pessoas: as que morrem e as que vivem pra sempre. 

Todo mundo nasce no primeiro grupo. É a lei natural das coisas. Alguns crescem, outros crescem e se reproduzem, mas todos morrem. Passam a vida inteira discutindo o que vai acontecer quando ela acabar e acabam deixando tudo por aqui, menos a resposta.

Aliás, a tal resposta é o que faz a gente acabar carimbando de vez o passaporte no Pelotão 1. Estamos sempre com alguma na ponta da língua, mas morremos de medo das perguntas. Na verdade, às vezes sequer temos tempo de ouvi-las.

Construímos castelos para nós mesmos enterrarmos. Se engana quem acha que vai levar alguma coisa do mundo. Se engana ainda mais quem acha que vai deixar. Os castelos são os primeiros a desmoronar.

E o único jeito de não deixar isso acontecer é morrendo sozinho. Porque por mais que pareça, não somos nós que escolhemos a qual tipo pertencemos. O poder é de quem fica por aqui. O máximo que dá pra fazer é deixar uma dica. Algo que valha a pena ser guardado, mas que não caiba na estante ou dentro de um porta-retrato. 

Há 2 anos um grande amigo despedia-se solitário desse mundo.
Sorte a minha. 
Porque carne e osso vão. A história fica.
Bem vindo ao Grupo 2. 

quarta-feira, 25 de junho de 2014

18

Chegar aos dezoito é emblemático.
Muita coisa muda.
Nada por dentro. Tudo por fora.
Parece entrar pela janela da noite pro dia.
Aí que a gente percebe.
É o tal reconhecimento.
Aos dezoito, esperam que você já seja forte.
Aos dezoito, exigem que você pense antes de agir.
Aos dezoito, exigem que você pense.
Mas nunca se está pronto.
Dezoito é muito pouco.

Ansioso, esperei que esses dezoito não chegassem nunca.
Mas completamos.

18 meses sem você.
Muita coisa mudou.
Tudo por fora. Nada por dentro.

Você ainda está aqui.


quarta-feira, 26 de março de 2014

Antônios e Tonis.

6:15. Antônio e Toni acordam em casa.
Antônio é desempregado, pai de 5 filhos. Toni é da PUC, filho único.
Antônio pega 3 conduções. Toni conduz o carro da mãe.
Antônio é alienado: assiste Globo. Toni é antenado: lê o Gregório na Folha. 
Antônio trabalha há 40 anos. Toni lê Marx há 4 meses.
Antônio não acredita no mundo. Toni acredita que pode mudá-lo.
Telefone pro Antônio. Mensagem pro Toni.
É entrevista, Antônio, vai sair do olho da rua. É luta, Toni, vem pra rua.
Antônio sobe no coletivo. Toni desce no elevador.
No relógio de Antônio: 8 horas. No de Toni, 7:55 a.m..
Antônio vai espremido no banco. Toni vai mais ainda na calçada.
Antônio apaga no ônibus. Toni acende um pneu.
Antônio respira o ar viciado. Toni, bomba de efeito moral.
Antônio está parado. Toni está movendo o país.
10:30. Antônio perde a entrevista. Toni ganha a capa do jornal.
Capitalista, Antônio pega o celular. Socialista, Toni esconde o dele.
Antônio enrola pra dar a notícia em casa. Toni enrola um baseado no carro.
O governo vai me ajudar, pensa Antônio. O governo vai me pagar, grita Toni.
Antônio espera a próxima. Toni também.

Antônio volta pra casa. Toni, para o seu mundo.