Sem efeitos: o que eu tenho pra te oferecer muda sob o teu olhar

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Agradecido

Era uma bela adolescente, por fora fazia as vezes de descolada, mas por dentro era um tanto deslocada. Se escondia em culturas do leste europeu para não precisar falar do seu círculo social. E quando precisava falar, era um Deus nos acuda, em dois milhões de palavras ela se via cada vez mais distante de uma verdade. Colocou todas as suas mazelas e esperanças em uma mala e decidiu que dali pra frente ela ia se chamar amor, e que independente do que os outros sentissem, aquele era o amor - não só o dela, mas o de um mundo inteiro. Se maquiou como pôde, estudou um pouco mais das culturas do leste europeu, escreveu textos imensos, e se viu cada vez mais distante de seus grandes amigos e suas companhias.
Um dia um rapaz veio a conhecê-la. Ele via a mala e achava um tanto quanto estranha, porque pra ele, amor não era nada. Nada mesmo! Ele via o amor como um sentimento único, mas indescritível. Já ela via o rapaz como um ser único, mas altamente rotulável, se é que é possível. Acontece que um dia esse menino estranho e ousado resolveu tocar a mala. A menina se estremeceu toda, mas deixou. Esperando um apoio, ela se assustou quando ele sacudiu o amuleto e fez a maior confusão. Dele saiu tudo o que a menina guardava. Inclusive suas máscaras, maquiagens, quase todo o leste europeu, suas definições de amor, e todas as coisas que não eram dela, mas que ela tinha se apossado. Ela, tresloucada, xingou o rapaz como pôde, tentando, em vão, catar o que podia. O menino, sem graça, se afastou, correu, e quando não tinha mais pra onde correr, enviou-lhe um telegrama, dizendo ter saudade. A menina respondeu que não sentia saudade, que o rapaz havia lhe feito um grande favor, e que suas amizades lá estavam novamente, que ela agora conseguia circular com sua mente pelos mesmos lugares onde o fazia com seu corpo e que ele era um ser acessório na vida dela e que a culpa de seus antigos devaneios era dele.
O rapaz, pouco chateado, não quis responder o telegrama, mas ele sabia que a mente deslocada da menina tinha ficado um pouco mais descolada. E que o lado descolado ia cada vez ficar mais deslocado. E isso tudo deveria durar até ela não conseguir se definir mais e voltar guardar tudo o que consegue pegar, quem sabe agora em uma van.

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