Sem efeitos: o que eu tenho pra te oferecer muda sob o teu olhar

segunda-feira, 25 de março de 2013

Jogado.


Parecia que eu tinha caído de pára-quedas em campo. E de fato, tinha. Sem preleção, tática ou treino, minha certeza era uma só: não queria estar ali. Gente gritando, juiz, bandeira, televisão. Ah, agonia.
Apitaram. Percebi que não tinha jeito. Em vez de me perguntar como tinha entrado ali, eu tinha que jogar. No primeiro minuto, fiquei parado na linha de fundo, sequer entrei nas quatro linhas. Tinha medo, pavor, tristeza. O segundo minuto se arrastou, o terceiro também, e até o sétimo o meu pavor era tanto que, de fora, poderia até parecer que eu sabia o que estava fazendo, de tão estranhos que eram meus toques.
E não ache você que o jogo era bonito. Truncado era a palavra. Eu mal conseguia defender, que dirá atacar. Aos 20, já tinha tomado tanta porrada que a única coisa que me fazia continuar de pé era o afago dos meus companheiros. Técnico? Não tinha ninguém na linha lateral, apenas uma meia-dúzia de repórteres procurando flashes oportunos.
30 minutos. Pude ouvir a torcida gritar meu nome. Não que me fizesse esquecer o quanto eu odiava estar ali, mas pelo menos era algo que me fazia acreditar no meu futebol. mesmo sem nunca ter tocado em uma bola antes.
Fui ao ataque, conduzi, driblei, tabelei com três jogadores mais próximos. Levei a linha de fundo, levei perigo. E mais nada. A volta à defesa foi dura: ainda no meio de campo senti as pernas tremerem. Será que não conseguiria continuar?
44 do primeiro tempo. Eu não parava de olhar para o juiz: “Acaba logo, filho da puta!” – pensava em segredo. Estava para ficar maluco quando vi alguém do meu time desabar a quatro ou cinco metros de mim. Levantei a mão pedindo substituição e logo gritaram: “Não tem ninguém para entrar no lugar.”. O médico entrou, passou a mão na lesão, deu água e disse que dava para continuar. Ele levantou mancando. Abaixei apavorado.
Apitaram. “Graças a Deus!” – vamos ao descanso. “Só troca de lado!” – gritou o juiz, pegando a bola e colocando ao centro. Hã? Estava exausto e tinha plena certeza de que não aguentaria mais 45 pegados.
Começava o segundo tempo e eu já não sabia mais se eram 15 da etapa complementar ou 60 da inicial. Peguei a bola e isolei na arquibancada. Devolveram. “No gol, perna de pau!!”.
Busquei jogo pelas laterais. Nada. Desabei sem esconder a dor. Não teve médico. Levantei com ajuda dos companheiros.
75 minutos. Roubei a bola na defesa, levei a bola adiante, tomei uma porrada, mas me mantive em pé. Chutei em gol, defenderam. Chorei. Parecia jogar sozinho. Não tinha mais torcida e, do técnico, nem notícias. “Na TV, o jogo parecia tão fácil!” – resmunguei na intermediária.
“Faltam 5!” – gritou alguém da lateral. Nem ligava para o jogo, queria que tudo acabasse e eu fosse para casa, mas confesso, estava me acostumando com aquele ritmo. Me gritaram. Estavam todos na área, faltava apenas eu. O placar marcava 89 e o 0x0 ainda tinha cara de derrota.
Alçaram a bola. Bate-rebate, sobrou para mim. O goleiro não cresceu, parecia um anão e os zagueiros apenas olhavam. O mundo conspirava para o meu gol. Minha pernas tremiam, a garganta secou-se e era nítida a minha falta de experiência. Antes que pudessem me derrubar, chutei e fiz. Parecia cena de filme. Até adversário vinha me cumprimentar e a emoção era tanta que eu os abraçava como irmãos. Gol de canela com cara de gol de placa. Comemorei.
Apitaram os 90. Noventa longos minutos. Os mais duros da minha carreira. Não desabei, não arriei as meias, não tirei a camisa. Caminhei para a lateral. Me parabenizaram. Alguém falava em “próximo jogo”. Entendi.
Não eram 90 minutos, eram pontos corridos. Esse era o primeiro passo.
Arriei as meias e fui ao centro do campo.
Dessa vez quem não quer descanso sou eu.
E segue jogo.

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