Parecia que eu tinha caído de pára-quedas em campo. E de
fato, tinha. Sem preleção, tática ou treino, minha certeza era uma só: não queria estar ali. Gente gritando, juiz,
bandeira, televisão. Ah, agonia.
Apitaram. Percebi que não tinha jeito. Em vez de me
perguntar como tinha entrado ali, eu tinha que jogar. No primeiro minuto,
fiquei parado na linha de fundo, sequer entrei nas quatro linhas. Tinha medo,
pavor, tristeza. O segundo minuto se arrastou, o terceiro também, e até o
sétimo o meu pavor era tanto que, de fora, poderia até parecer que eu sabia o
que estava fazendo, de tão estranhos que eram meus toques.
E não ache você que o jogo era bonito. Truncado era a
palavra. Eu mal conseguia defender, que dirá atacar. Aos 20, já tinha tomado
tanta porrada que a única coisa que me fazia continuar de pé era o afago dos
meus companheiros. Técnico? Não tinha ninguém na linha lateral, apenas uma
meia-dúzia de repórteres procurando flashes oportunos.
30 minutos. Pude ouvir a torcida gritar meu nome. Não que me
fizesse esquecer o quanto eu odiava estar ali, mas pelo menos era algo que me fazia
acreditar no meu futebol. mesmo sem nunca ter tocado em uma bola antes.
Fui ao ataque, conduzi, driblei, tabelei com três jogadores
mais próximos. Levei a linha de fundo, levei perigo. E mais nada. A volta à
defesa foi dura: ainda no meio de campo senti as pernas tremerem. Será que não
conseguiria continuar?
44 do primeiro tempo. Eu não parava de olhar para o juiz:
“Acaba logo, filho da puta!” – pensava em segredo. Estava para ficar maluco
quando vi alguém do meu time desabar a quatro ou cinco metros de mim. Levantei
a mão pedindo substituição e logo gritaram: “Não tem ninguém para entrar no
lugar.”. O médico entrou, passou a mão na lesão, deu água e disse que dava para
continuar. Ele levantou mancando. Abaixei apavorado.
Apitaram. “Graças a Deus!” – vamos ao descanso. “Só troca de
lado!” – gritou o juiz, pegando a bola e colocando ao centro. Hã? Estava
exausto e tinha plena certeza de que não aguentaria mais 45 pegados.
Começava o segundo tempo e eu já não sabia mais se eram 15
da etapa complementar ou 60 da inicial. Peguei a bola e isolei na arquibancada.
Devolveram. “No gol, perna de pau!!”.
Busquei jogo pelas laterais. Nada. Desabei sem esconder a
dor. Não teve médico. Levantei com ajuda dos companheiros.
75 minutos. Roubei a bola na defesa, levei a bola adiante,
tomei uma porrada, mas me mantive em pé. Chutei em gol, defenderam. Chorei.
Parecia jogar sozinho. Não tinha mais torcida e, do técnico, nem notícias. “Na
TV, o jogo parecia tão fácil!” – resmunguei na intermediária.
“Faltam 5!” – gritou alguém da lateral. Nem ligava para o
jogo, queria que tudo acabasse e eu fosse para casa, mas confesso, estava me
acostumando com aquele ritmo. Me gritaram. Estavam todos na área, faltava
apenas eu. O placar marcava 89 e o 0x0 ainda tinha cara de derrota.
Alçaram a bola. Bate-rebate, sobrou para mim. O goleiro não
cresceu, parecia um anão e os zagueiros apenas olhavam. O mundo conspirava para
o meu gol. Minha pernas tremiam, a garganta secou-se e era nítida a minha falta
de experiência. Antes que pudessem me derrubar, chutei e fiz. Parecia cena de
filme. Até adversário vinha me cumprimentar e a emoção era tanta que eu os
abraçava como irmãos. Gol de canela com cara de gol de placa. Comemorei.
Apitaram os 90. Noventa longos minutos. Os mais duros da
minha carreira. Não desabei, não arriei as meias, não tirei a camisa. Caminhei
para a lateral. Me parabenizaram. Alguém falava em “próximo jogo”. Entendi.
Não eram 90 minutos, eram pontos corridos. Esse era o
primeiro passo.
Arriei as meias e fui ao centro do campo.
Dessa vez quem não quer descanso sou eu.
E segue jogo.